As parafilias e o filme O Silêncio dos Inocentes - Uma Análise
- Bruno Soares
- 25 de fev.
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A teoria das parafilias dentro do pensamento freudiano oferece um olhar profundo e controverso sobre a sexualidade humana, especialmente sobre os desejos e comportamentos que escapam das normas convencionais. Sigmund Freud, pioneiro da psicanálise, sugeriu que as parafilias – impulsos sexuais desviantes, como voyeurismo, fetichismo e sadomasoquismo – estão enraizadas em traumas e repressões da infância, manifestando-se como formas simbólicas de lidar com conflitos psíquicos não resolvidos. O campo do terror cinematográfico, por sua vez, muitas vezes explora e exagera esses impulsos, transformando-os em narrativas assustadoras e grotescas que, ao mesmo tempo, fascinam e aterrorizam o espectador.
Um dos filmes de terror que pode ser analisado sob a ótica das parafilias freudianas é "O Silêncio dos Inocentes" (1991), dirigido por Jonathan Demme. Baseado no livro de Thomas Harris, o filme retrata dois personagens que, de maneiras diferentes, incorporam parafilias freudianas: o assassino em série Hannibal Lecter e o também serial killer Jame Gumb, conhecido como "Buffalo Bill". Esses personagens servem como exemplos extremos de como a psique humana pode se deformar em direção ao perverso e ao violento, particularmente através de impulsos sexuais desviantes e do desejo de dominar ou controlar o outro.
A Parafilia do Canibalismo e Hannibal Lecter
Hannibal Lecter é, sem dúvida, uma das figuras mais icônicas do terror e do suspense psicológico. Sua natureza como um canibal reflete uma parafilia extrema: a fusão do prazer sexual com o consumo literal do corpo do outro. Embora o canibalismo não seja uma parafilia tradicionalmente descrita por Freud, ele pode ser entendido como uma metáfora para a forma como certos indivíduos internalizam, de maneira destrutiva, os desejos de possessão e domínio sobre o outro.
Na visão freudiana, o canibalismo pode estar relacionado a traços do estágio oral do desenvolvimento psicossexual, onde o prazer é obtido pela boca. Em sua teoria do desenvolvimento infantil, Freud descreve o estágio oral como o primeiro dos cinco estágios do desenvolvimento psicossexual, onde o bebê obtém prazer através de atividades como sugar ou morder. Se este estágio não é adequadamente resolvido, pode resultar em uma fixação oral que, na idade adulta, pode se manifestar em comportamentos desviantes, como o canibalismo. Em Hannibal Lecter, essa fixação é levada ao extremo, pois ele literalmente incorpora (no sentido de consumir) o outro, em um ato que une prazer, destruição e a quebra dos tabus sociais mais profundos.
A psicanálise freudiana também poderia interpretar o comportamento de Lecter como um ato de sublimação falha, onde seus impulsos primitivos e violentos, em vez de serem canalizados para atividades socialmente aceitáveis, se manifestam de forma perversa e criminal. O canibalismo pode ser visto como uma tentativa de reconstituir um sentido de controle total sobre o outro, consumindo-o por completo. Este desejo de controle absoluto é um tema recorrente em várias parafilias freudianas, como o fetichismo e o sadomasoquismo.
Buffalo Bill e o Fetichismo da Pele
Enquanto Hannibal Lecter representa a parafilia canibalista, Jame Gumb, ou "Buffalo Bill", apresenta uma forma de fetichismo profundamente distorcida. Sua obsessão em capturar mulheres, mantê-las em cativeiro e eventualmente matar e esfolá-las para criar um "terno de pele" revela uma parafilia enraizada no fetichismo corporal. O fetichismo, na visão de Freud, surge quando o sujeito desvia seu desejo sexual de seu objeto natural (o corpo humano) para uma parte específica ou um substituto, como roupas ou outros objetos. Em Gumb, essa obsessão se concentra na pele, que ele vê como um meio de se transformar naquilo que deseja ser.
A teoria freudiana sugere que o fetichismo está associado à castração simbólica, ou seja, ao medo do menino de perder seu pênis ao se dar conta da ausência deste órgão no corpo da mãe. Para Freud, o fetichista "nega" esse medo inconscientemente ao fixar seu desejo em um objeto específico que substitui o corpo feminino como um todo. No caso de Buffalo Bill, essa substituição é levada a um nível extremo e perturbador, pois ele não apenas foca em uma parte do corpo (a pele), mas tenta literalmente usá-la como um "disfarce", recriando a si mesmo como uma nova identidade feminina.
Esse comportamento de Gumb também pode ser visto como uma manifestação de uma forma extrema de transtorno de identidade de gênero, misturada com parafilias fetichistas. No entanto, é importante notar que o filme foi criticado por confundir questões de gênero com psicopatia, criando uma narrativa distorcida em torno de identidades trans e travestis, o que é uma visão problemática. No entanto, no contexto de análise freudiana, a fixação de Gumb na pele como objeto de desejo e sua tentativa de se transformar através dela reflete uma perturbação profunda no desenvolvimento sexual e psíquico.
O Horror Como Manifestação do Inconsciente
Freud acreditava que o inconsciente é o reservatório dos desejos reprimidos, muitos dos quais são de natureza sexual. Esses desejos reprimidos podem se manifestar de maneiras simbólicas, como sonhos ou sintomas neuróticos. No terror, esses impulsos reprimidos emergem como monstros ou comportamentos grotescos que encarnam os medos mais profundos da sociedade. Tanto Hannibal Lecter quanto Buffalo Bill são personificações desses impulsos reprimidos, agindo como manifestações extremas de parafilias freudianas que a sociedade busca reprimir.
O horror cinematográfico, ao lidar com temas como canibalismo e fetichismo extremo, toca nas ansiedades mais profundas sobre a sexualidade humana e os limites do comportamento aceitável. Através de figuras como Lecter e Gumb, o terror explora a linha tênue entre desejo e destruição, atração e repulsa, fornecendo ao público uma catarse psíquica ao confrontar suas próprias ansiedades e desejos reprimidos.
Os personagens de "O Silêncio dos Inocentes" exemplificam como as parafilias descritas por Freud podem ser interpretadas no contexto do terror. Hannibal Lecter e Buffalo Bill incorporam desejos desviantes que refletem a psique fragmentada e traumatizada, onde impulsos sexuais não resolvidos se manifestam em comportamentos extremos. O filme, ao explorar essas dinâmicas, revela a complexa relação entre sexualidade, identidade e violência, temas centrais na psicanálise freudiana e na maneira como o terror lida com os aspectos mais sombrios da condição humana.




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