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O Inconsciente em Ação: Os Chistes, Atos Falsos e o Terror: Uma Análise Freudiana do filme “A Bruxa”

  • Foto do escritor: Bruno Soares
    Bruno Soares
  • 25 de fev.
  • 4 min de leitura

O estudo freudiano dos chistes e dos atos falhos, exposto em obras como O Chiste e sua Relação com o Inconsciente (1905) e A Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901), revela os caminhos subterrâneos do inconsciente na vida cotidiana. Chistes (ou piadas) e atos falhos (ou lapsos) não são meros acidentes, mas manifestações do inconsciente que escapam à censura do ego. Em filmes de terror, onde as forças do medo e da psicologia humana são amplificadas, esses conceitos podem ser vistos operando de maneira poderosa, oferecendo novas camadas de interpretação sobre o horror, a repressão e os conflitos psicológicos. Um exemplo marcante dessa interseção entre o inconsciente e o terror pode ser observado no filme A Bruxa (2015), dirigido por Robert Eggers.


Este filme, ambientado na Nova Inglaterra do século XVII, narra a história de uma família puritana que é banida de sua comunidade e tenta sobreviver em um ambiente isolado e ameaçador, cercado por uma floresta que abriga uma força maligna. A obra aborda a luta entre a rigidez religiosa, a repressão sexual e os medos profundos da alma humana. Ao relacionar os chistes e os atos falhos freudianos com os elementos da trama de A Bruxa, é possível iluminar como o terror emerge da relação conflituosa entre o consciente e o inconsciente.


O Chiste no Terror: Expressando o Inexpressável


Freud acreditava que os chistes servem como uma válvula de escape para pensamentos reprimidos, funcionando como uma forma indireta de liberar emoções ou impulsos que seriam socialmente inaceitáveis. No terror, essa função do chiste pode ser transformada, tornando-se uma maneira de o espectador ou os personagens articularem aquilo que é inominável ou reprimido. Em A Bruxa, não encontramos chistes evidentes em um sentido tradicional, mas os mecanismos que sustentam o conceito podem ser vistos no uso simbólico e nas tensões internas da narrativa.


A repressão sexual é um tema central no filme. Thomasin, a filha mais velha da família, está no limiar da puberdade e sua crescente sexualidade é vista com desconfiança por seus pais, particularmente por sua mãe. A atmosfera puritana em que vivem exacerba a repressão de desejos naturais, algo que Freud associa a conflitos internos que podem dar origem a expressões indiretas, como o chiste. O humor não se manifesta de forma tradicional, mas os momentos de ironia sombria, como o discurso da cabra Black Phillip no final, carregam um subtexto de chiste freudiano. Black Phillip, revelado como uma encarnação do demônio, oferece a Thomasin uma vida de liberdade e prazeres carnais, algo que sua existência puritana negou-lhe completamente. Nesse momento, há um humor sombrio, quase sarcástico, no fato de que a libertação de Thomasin só vem pela aliança com aquilo que sua família mais temia: o mal.


A presença de Black Phillip pode ser interpretada como a manifestação do inconsciente reprimido da família. A cabra, que aparentemente é apenas um animal, torna-se uma figura de poder e desejo inconsciente. Ao final, quando a repressão de Thomasin se transforma em aceitação de seus próprios desejos e ela cede à tentação, vemos uma espécie de chiste inconsciente — uma libertação dos desejos suprimidos por meio de uma transformação literal em bruxa. Nesse sentido, a resolução da trama funciona como um chiste trágico: a libertação do inconsciente é conquistada por meio da destruição da estrutura moral que sustentava sua repressão.


Os Atos Falhos e a Natureza do Mal


Freud descreve os atos falhos como erros que, longe de serem meras coincidências, revelam desejos ou medos inconscientes que se infiltram na vida cotidiana. Em A Bruxa, os atos falhos aparecem nas ações dos personagens, que frequentemente sabotam a si mesmos e aos outros, contribuindo para a destruição da família.


Um exemplo notável de ato falho ocorre quando o pai de Thomasin, William, decide levar sua família para o isolamento na floresta, uma escolha que, em retrospecto, revela-se desastrosa. Embora William justifique sua decisão com base em sua fé e orgulho, é possível ver isso como uma manifestação inconsciente de sua incapacidade de lidar com a autoridade religiosa e a frustração com sua própria masculinidade. Ao isolar sua família, ele inadvertidamente os coloca em uma situação onde suas fraquezas e medos mais profundos emergem e são explorados pela força maligna que habita a floresta.


Outro exemplo de ato falho está na interação entre Thomasin e seus irmãos mais novos, Jonas e Mercy. Em uma cena significativa, os irmãos acusam Thomasin de ser uma bruxa, algo que Thomasin inicialmente nega, mas depois, em um acesso de raiva e frustração, finge ser de fato uma bruxa. Este momento pode ser visto como um ato falho, onde a frustração reprimida de Thomasin se manifesta em uma brincadeira perigosa que, mais tarde, terá sérias consequências. Ao expressar um papel que a comunidade e sua própria família projetam nela, Thomasin está, de forma inconsciente, revelando seu desejo de escapar da opressão e da constante vigilância moral à qual está submetida.


Esses pequenos lapsos, que podem parecer insignificantes, são na verdade sintomas da tensão interna que permeia os personagens. O ato falho, nesse contexto, se torna uma maneira de o terror surgir de dentro dos próprios personagens, ao invés de ser simplesmente imposto por uma força externa. A bruxa que assombra a floresta é, em muitos aspectos, uma projeção dos desejos reprimidos e dos medos inconscientes da família, e os atos falhos que permeiam suas interações apenas reforçam essa interpretação.


Ao aplicar os conceitos freudianos de chistes e atos falhos a A Bruxa, é possível ver como o filme utiliza os mecanismos do inconsciente para intensificar o horror. A repressão dos desejos, a culpa moral e a falha em confrontar os medos profundos resultam em lapsos que destroem a estrutura familiar. O filme, assim como as teorias freudianas, sugere que o verdadeiro terror não reside apenas nas ameaças externas, mas nas forças inconscientes que governam nossas ações e desejos. A Bruxa, dessa forma, é uma exploração sombria da natureza humana, onde o inconsciente é tão aterrorizante quanto qualquer monstro ou entidade sobrenatural.


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