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O Terror das Paixões Desviadas: Análise de "A Pele que Habito" sob a Ótica das Parafilias de Freud

  • Foto do escritor: Bruno Soares
    Bruno Soares
  • 25 de fev.
  • 4 min de leitura

Os filmes de terror frequentemente exploram os recantos mais obscuros da psique humana, onde desejos reprimidos, traumas e perversões se entrelaçam em narrativas que provocam desconforto e fascínio. Quando examinados à luz da teoria psicanalítica de Sigmund Freud, especialmente suas concepções sobre parafilias, esses filmes revelam camadas profundas de significado, expondo como o terror pode ser uma metáfora para as pulsões e desejos desviados que Freud descreveu.


Um exemplo notável dessa interseção entre terror e parafilias freudianas é o filme "A Pele que Habito" (2011), dirigido por Pedro Almodóvar. O filme narra a história de um cirurgião plástico, Robert Ledgard, que, após a morte trágica de sua esposa, se dedica obsessivamente a criar uma pele artificial resistente a qualquer dano. No entanto, por trás dessa busca científica, esconde-se uma vingança pessoal que envolve a transformação de um jovem, Vicente, no que parece ser uma recriação de sua esposa falecida. O filme é uma meditação sobre identidade, controle e desejo, todos profundamente enraizados nas ideias de Freud sobre as parafilias.


As Parafilias em Freud


Freud, em seus estudos sobre sexualidade, introduziu o conceito de parafilias como desvios das práticas sexuais normativas. Para Freud, a sexualidade humana era inerentemente polimorfa e, desde a infância, os indivíduos passavam por diversas fases de desenvolvimento psicossexual, incluindo a fase oral, anal e fálica. A fixação ou regressão em qualquer uma dessas fases poderia resultar em práticas sexuais desviantes na vida adulta. Além disso, Freud postulava que todos os seres humanos possuíam em algum grau tendências perversas, mas que a sociedade e a cultura moldavam essas tendências em comportamentos considerados normais.

As parafilias, portanto, representam um fracasso em suprimir ou redirecionar essas pulsões primordiais. Exemplos de parafilias incluem fetichismo, exibicionismo, voyeurismo e sadomasoquismo, onde o prazer sexual é obtido por meios que desviam do ato sexual convencional. Esses desvios, segundo Freud, são frequentemente ligados a traumas, repressões e conflitos psíquicos não resolvidos.


A Parafilia de Robert Ledgard


Em "A Pele que Habito", o personagem Robert Ledgard personifica a encarnação de um desvio psíquico e sexual profundo. Após a morte de sua esposa, Robert desenvolve uma obsessão com a criação de uma pele artificial, aparentemente como uma forma de controlar a mortalidade e imortalizar sua amada. Contudo, essa obsessão revela-se como uma forma de fetichismo, onde a pele, como um objeto, torna-se o foco do desejo e do controle. Freud descreveu o fetichismo como a substituição do objeto sexual original por um objeto inanimado ou uma parte específica do corpo, que passa a ser o centro do prazer sexual. No caso de Robert, a pele da esposa, e subsequentemente a pele que ele cria para Vicente, torna-se esse fetiche.


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A transformação de Vicente em Vera, uma réplica da esposa de Robert, é um ato que transcende a simples vingança ou desejo de controle. É uma perversão da identidade, onde Robert tenta recriar, à sua imagem, um objeto de desejo que ele perdeu. Essa manipulação do corpo e da identidade de Vicente/Vera pode ser vista como uma forma extrema de sadismo, outra parafilia descrita por Freud, onde o prazer é derivado da dominação e da imposição de sofrimento sobre o outro.


A Identidade e o Corpo: A Desconstrução Freudianista


O filme também explora o conceito freudiano de identidade e a desconstrução do ego. Vicente, ao ser transformado em Vera, sofre uma ruptura total com sua identidade anterior. Freud argumentou que a identidade é formada pela interação entre o id, o ego e o superego, e que traumas ou experiências extremas podem causar dissociações ou fissuras nessa construção. Em "A Pele que Habito", Vicente perde não apenas seu corpo original, mas também sua identidade, sendo forçado a adotar uma nova persona, Vera, que foi moldada pelos desejos distorcidos de Robert.

Essa transformação involuntária pode ser interpretada como uma forma de castração simbólica, outro conceito freudiano central. Para Freud, a castração não é apenas a perda literal de órgãos genitais, mas também pode representar a perda de poder, controle ou identidade. Vicente, ao ser transformado em Vera, é castrado de sua identidade original, sendo forçado a adotar uma nova identidade imposta por Robert.


O Terror Psicológico e a Repressão


"A Pele que Habito" é um estudo profundo de como as parafilias e os desvios psíquicos podem se manifestar em formas extremas de controle e manipulação. O terror do filme não reside apenas na transformação física de Vicente, mas na desconstrução e reconstrução forçada de sua identidade. Esse processo é uma metáfora para as maneiras pelas quais as parafilias podem distorcer e destruir a psique humana, uma ideia que Freud explorou em seus escritos sobre sexualidade e repressão.

Freud argumentou que as pulsões reprimidas, se não expressas de maneiras socialmente aceitáveis, poderiam emergir como sintomas patológicos. Em "A Pele que Habito", as obsessões de Robert com a pele e a identidade resultam em um terror psicológico que transcende o horror físico, explorando as profundezas da psique humana onde as parafilias florescem.


"A Pele que Habito" é um filme que exemplifica como as parafilias, segundo Freud, podem ser expressas de maneiras extremas e destrutivas. A obsessão de Robert Ledgard com a recriação de sua esposa morta através da transformação de Vicente em Vera é uma representação poderosa do fetichismo, do sadismo e da castração simbólica. Ao explorar esses temas, o filme oferece um retrato perturbador de como os desejos reprimidos e os traumas não resolvidos podem se manifestar em formas de terror psicológico e físico, criando um pesadelo que é tanto sobre identidade quanto sobre o corpo

 
 
 

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