Uma Análise do Id, Ego e Superego no Terror de Alfred Hitchcock
- Bruno Soares
- 25 de fev.
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A segunda estrutura do aparelho psíquico de Sigmund Freud é uma das mais influentes teorias da psicologia, dividindo a mente humana em três partes principais: o Id, o Ego e o Superego. Essa estrutura forma a base para a compreensão dos conflitos internos e dos comportamentos humanos. No cinema, especialmente nos filmes de terror, essas dinâmicas psíquicas frequentemente emergem de maneira intensa e palpável. Um dos exemplos mais emblemáticos dessa representação é o filme "Psicose" ("Psycho", 1960), dirigido por Alfred Hitchcock. "Psicose" é uma obra-prima do terror psicológico que mergulha profundamente na psique perturbada de Norman Bates (interpretado por Anthony Perkins), explorando as complexas interações entre o Id, o Ego e o Superego. A análise dessa interação revela como os horrores mais profundos do filme não vêm dos elementos sobrenaturais, mas das batalhas internas que ocorrem na mente humana.
O Id: Desejos Primários e a Sombra da Mãe
O Id, na teoria freudiana, é a parte da mente responsável pelos impulsos instintivos e pelos desejos primitivos. Ele opera segundo o princípio do prazer, buscando satisfação imediata, sem considerar a moralidade ou as consequências. Em "Psicose", o Id de Norman Bates é profundamente influenciado por sua mãe, Norma Bates, que se torna uma figura dominante e controladora em sua vida, mesmo após sua morte.
Norman Bates vive com uma dualidade perturbadora em sua psique. Em seu Id, os desejos primitivos de Norman, incluindo sua sexualidade reprimida e seus impulsos violentos, são personificados pela "mãe" que ele internalizou. Essa figura materna representa uma presença tirânica que domina e manipula Norman, forçando-o a agir de acordo com seus desejos mais sombrios. O Id de Norman é, portanto, distorcido pela influência da mãe, que o leva a cometer atos de violência sob sua "orientação".
As cenas mais icônicas do filme, como o assassinato no chuveiro, não são apenas atos de violência, mas também representações da explosão dos desejos reprimidos do Id de Norman. Esses impulsos, que ele não consegue controlar ou integrar de maneira saudável em sua psique, emergem de forma destrutiva, resultando em homicídios. O Id, operando sem restrições morais, domina Norman em momentos de fraqueza, fazendo-o ceder à compulsão de matar para satisfazer esses desejos incontroláveis.
O Superego: Moralidade e Culpabilidade
O Superego, por outro lado, é a parte da mente que representa os valores morais internalizados, as normas sociais e as expectativas parentais. Ele age como uma força repressiva, tentando manter o Id sob controle através da culpa e da vergonha. Em "Psicose", o Superego de Norman Bates é manifestado de forma distorcida através da figura de sua mãe, que ele recria em sua própria mente.
A mãe de Norman, ou melhor, a versão dela que ele cria, é uma personificação do Superego mais opressor. Ela repreende, culpa e controla Norman, impondo normas morais rígidas que ele é incapaz de cumprir completamente. Essa figura materna internalizada serve como a voz do Superego, que constantemente julga e repreende Norman por seus desejos "imorais". A culpa e o medo que ele sente em relação a esses desejos são produtos diretos dessa influência.
No entanto, o Superego de Norman, em vez de oferecer uma estrutura moral saudável, se torna uma força destrutiva. Ao invés de ajudar Norman a integrar seus desejos em uma personalidade coesa, o Superego exacerbado alimenta a fragmentação de sua identidade. A presença opressora de sua mãe morta, que Norman mantém viva em sua mente, força-o a viver em constante estado de repressão e negação de si mesmo, resultando em uma cisão profunda entre o Id e o Superego.
O Ego: Mediação e Fragmentação
O Ego, na teoria freudiana, é a parte da mente que tenta mediar entre as demandas impulsivas do Id, as exigências rígidas do Superego, e as realidades do mundo externo. Ele opera segundo o princípio da realidade, buscando satisfazer os desejos do Id de maneira que seja moralmente aceitável e socialmente apropriada. Em "Psicose", o Ego de Norman Bates está em constante estado de colapso.
Norman tenta manter uma fachada de normalidade, gerenciando o motel e interagindo com os hóspedes de maneira aparentemente amigável. Este é o trabalho do Ego, que tenta manter um equilíbrio entre os impulsos do Id e as proibições do Superego. No entanto, o Ego de Norman é continuamente sobrecarregado pelos conflitos internos intensos que ele enfrenta. A pressão para satisfazer o Id enquanto evita a condenação do Superego se torna insustentável.
Essa tensão crescente leva à fragmentação do Ego de Norman, culminando em sua dissociação psicológica. O desenvolvimento do alter ego da "mãe" é a resposta do Ego ao tentar lidar com os desejos inaceitáveis e a culpa esmagadora. Em vez de integrar os aspectos conflitantes de sua psique, o Ego se fragmenta, criando duas personalidades distintas: uma que personifica o Id e outra que personifica o Superego. Essa cisão reflete a incapacidade do Ego de mediar eficazmente entre essas forças opostas, resultando em um colapso psicológico.
Conflito e Tragédia: A Desintegração da Psique de Norman
O colapso de Norman Bates em "Psicose" exemplifica a tragédia que pode ocorrer quando o Id, o Ego e o Superego estão em conflito irreconciliável. A luta interna de Norman, entre os desejos primitivos representados por seu Id, a opressão moral imposta por seu Superego, e a tentativa desesperada de seu Ego de manter uma aparência de normalidade, leva à desintegração completa de sua psique. A personificação de sua mãe se torna tão poderosa que Norman perde a capacidade de distinguir entre sua própria identidade e a dela.
A transformação final de Norman, onde ele se identifica completamente com sua "mãe", é a culminação da derrota do Ego. Nesse ponto, o Ego de Norman não consegue mais mediar ou conter as forças do Id e do Superego, resultando em uma fusão completa de sua identidade com a da mãe. Este final trágico sublinha a destrutividade de uma psique onde o Id, o Ego e o Superego estão em guerra.
"Psicose" é mais do que um simples filme de terror; é uma análise profunda das complexidades da mente humana e dos perigos que surgem quando os componentes do aparelho psíquico de Freud entram em conflito. A trajetória de Norman Bates, de um jovem perturbado a um assassino dissociado, ilustra as consequências devastadoras que podem ocorrer quando o Id, o Ego e o Superego não estão em equilíbrio. O filme de Alfred Hitchcock permanece um estudo poderoso das dinâmicas internas da mente, mostrando que os verdadeiros horrores podem não estar em monstros externos, mas nas batalhas psicológicas travadas dentro de nós mesmos.




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